30/07/2016

Uma tarde soalheira

Cadeiras vazias, Baixa, Coimbra
Uma tarde soalheira

Uma tarde soalheira e abrasadora
comunhão de ideias, sorrisos, palavras,
ganhar o tempo perdido
que a estrada e a montanha impõem.

O vinho verde fresquinho,
os leques num vaivém contínuo
e o guarda-sol
suprem o vento ausente.

Do prosaico feminino
à alegria da descoberta
do mais pequeno nada 

ao mais perfeito tesouro
guardado num importante museu da cidade,
assim passou o dia em repleta amizade.

ana



Obrigada, Isabel.


28/07/2016

"Palavras..."

Interventivo e igual a ele mesmo, assim esteve Santana no Meo Arena:

Estamos aqui sem medo, unidos na luz...
Carlos Santana

Palavras que assinalou como fundamentais: 
liberdade, 
luz, 
paz, 
natureza, 
respeito pela mulher...






26/07/2016

Soneto despojado


Soneto despojado

o mar rasgou este silêncio descomunal
que se sente no interior da terra...
ausência das palavras
escritas numa pauta em espiral.

as linhas convergem como se Escher
as desenhasse a preto e branco
onde as promessas não cabem,
dançando translúcidas ao acaso.

frases helicoidais pairam no ar
sem destino
como se em espuma se tornassem.

na secretária está o porta cartas vazio,
adormecido,
soneto despojado.

25-07-16
ana






25/07/2016

"Quando, às vezes, me debruço sobre o mundo"

Winslow Homer, Breezing Up (A Fair Wind) 
(Pintor americano retirado do Pinterest)


Quando, às vezes, me debruço sobre o mundo, vejo ao longe, indo do porto ou voltando a ele, as velas dos barcos dos pescadores, e o meu coração tem saudades imaginárias da terra onde nunca esteve. 





Fernando Pessoa, " O Peregrino" in Contos Escolhidos. (Edição de Ana Maria Freitas e Fernando Cabral Martins). Lisboa: Assírio &; Alvim, 2016, p. 135.


22/07/2016

B

Alterei a fotografia mas o poema é tão bom que cabe no B

No País


no país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno

e no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho
ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela, só até à ilharga,
a grande história do amor só até ao pescoço

e no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está -
não é outro senão a divina criança (prometida)
uso os meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite (on ne passe pas)
diz que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora há muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato


Mário Cesariny, in 'Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano' 
(Retirado do citador)


21/07/2016

No castelo da vila

Exposição Desenho e Poesia "Confins da Infância" de
Ana Oliveira e de Lains de Ourém.
Galeria da Vila Medieval de Ourém, Museu Municipal de Ourém


Só podia tirar fotografias ao espaço e não aos trabalhos da desenhista Ana Oliveira e à poesia do poeta Lains de Ourém (António Galamba). 
Voltarei ao trabalho desta dupla de artistas com imagens do panfleto publicitário do Museu Municipal de Ourém e da Câmara Municipal de Ourém.



E desta viagem o que fica?


20-7-2016

Não são papoilas, nem malmequeres,
nem o azul ondulante formado pelas flores silvestres, 
são apenas pássaros agrilhoados entre a liberdade possível e a vontade de ficar.

ana


19/07/2016

"Spirit of Ecstasy"

Spirit of Ecstasy                                                                              Spirit of Ecstasy

Crianças, adolescentes, pessoas indefesas
perderam a vida num acto de brutal violência humana.

Quem se arroga em ter poder sobre a vida?
Como é que a violência se apodera do homem friamente?

A História comprova esta disposição do homem.
A Psicologia tenta explicá-la.
A Ciência concorre no mesmo.
A Religião interroga-se.

O homem perde o sentido de evolução.
O medo impera.
O caos é maior que a ordem.

Que o Spirit of Ecstasy transporte em paz os que pereceram.
Que traga novos ventos...
Que espalhe generosidade e inteligência.
Que determine nos homens a sapiente escolha do bem sobre o mal.

ana

A minha homenagem às vitimas do atentado de 14 de Julho, em Nice, quando festejavam a Tomada da Bastilha.

17/07/2016

três atributos


Ourém

elegância,
beleza,
sensualidade,
três atributos prescritos pela sociedade.
Máscaras que na verdade importam,
reflexos dos espelhos
e das películas de cinema;
arquétipos do tempo,
da moda...
encantamento.

ana

15/07/2016

"Rir de tudo"

Seguindo o mote de Cesariny, o que "importa" é "rir de tudo", porque não começar a rir com o pequeno -almoço, a primeira  refeição do dia?

Ingredientes:
2 fatias de pão
manteiga q.b.

Olha-se para a torradeira maravilhado como quem espera uma iguaria do outro mundo. Espera-se uns minutos, salta o pão, barra-se a manteiga e acompanha-se com chá, café ou café com leite. Bom proveito!



Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra


Mário Cesariny, Nobilíssima Visão, Assírio & Alvim, 1991


12/07/2016

A partilha...

Sugiro a leitura do livro A Vida Secreta das Árvores, um livro belíssimo sobre a sobrevivência e a vida das árvores. O livro também pode ser lido como uma metáfora da vida. A partilha pressupõe o fim da solidão, a troca de afecto. 
O autor do livro, Peter Wohlleben, é guarda-florestal, apresentador de um programa de televisão e autor de vários livros sobre silvicultura e ecologia. É responsável por orientar no terreno equipas de investigação da Universidade de Aachen.
Agradeço a quem mo deu a conhecer.
Magnólia, Ourém

Retirado da contracapa:

«Acontecem coisas espantosas na floresta: árvores que comunicam entre si (enviando sinais elétricos através de uma rede subterrânea de fungos). Árvores que cuidam não só dos seus rebentos como também dos seus "vizinhos" doentes, velhos ou órfãos.»

***

(...) as árvores compensam entre si forças e fraquezas. Grossos ou finos, todos os exemplares da mesma espécie produzem por folha, com a ajuda da luz, semelhantes quantidades de açúcar. A compensação tem lugar, debaixo da terra, através das raízes. É aqui que aparentemente tem lugar uma troca bem animada. Quem muito tem dá aos outros e quem passa dificuldades recebe assistência.

Peter Wohlleben, A Vida Secreta das Árvores. ( Tradução de João Henriques) Lisboa: Pergaminho, 2016, p. 24.
[Sublinhado meu].


Jardim Botânico, Coimbra da Universidade de Coimbra


Árvore da borracha, Jardim Botânico da U.C.
Raízes, o cérebro da árvore.


10/07/2016

Que Vençais... - Luís Vaz de Camões


Que Vençais no Oriente tantos Reis



Que vençais no Oriente tantos Reis,
Que de novo nos deis da Índia o Estado,
Que escureçais a fama que hão ganhado
Aqueles que a ganharam de infiéis;

Que vencidas tenhais da morte as leis,
E que vencêsseis tudo, enfim, armado,
Mais é vencer na Pátria, desarmado,
Os monstros e as Quimeras que venceis.

Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por armas fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;

O que vos dá mais fama inda no mundo,
É vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
Tantas ingratidões, tão grande inveja.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

08/07/2016

Sem título* - GA

Um presente da minha amiga Graça, "pastinhas" da Casa de Infância Doutor Elísio de Moura com poemas que são vendidos na altura da queima das fitas. O dinheiro reverte para a casa que acolhe meninas desde a infância até aos 20 anos. O poema é da Graça.

Flores do campo

da minha janela vejo o vento
que tu não vês
gosto de navegar
no baloiço dos teus olhos
na liquidez das suas palavras
e rio-me
como uma criança inocente
à descoberta do mundo por abrir
sinto o aroma das searas
a entrar-me pelos poros
e escrevo a beleza dos dias tristes
recuso a calmaria das marés
sem gritos e sem pressas
a solidão disfarçada
esse andar devagar
o meu corpo é uma chama ardente
a clamar desesperos poéticos
a poesia é coração
o amor são rosas

Graça Alves 

*Ainda lhe quis colocar um título mas achei que era um abuso.


 

06/07/2016

Portugal - Poema de Memória


Por Portugal!
Esta janela já andou por aqui sem a bandeira.


Sardinheiras (gerânios)  


Poema da Memória

Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia,
só um espelho com isso se parecia.

De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
só tinha olhos para o rio distante,
os olhos do animal embalsamado
mas vivo
na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
Diria o rio que havia no seu tempo
um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
onde dois grandes olhos,
grandes e ávidos, fixos e pasmados,
o fitavam sem tréguas nem cansaço.
Eram dois olhos grandes,
olhos de bicho atento
que espera apenas por amor de esperar.

E por que não galgar sobre os telhados,
os telhados vermelhos
das casas baixas com varandas verdes
e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da história que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes,
e poisava onde bem lhe apetecia,
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!
Espreitar não, que é feio,
mas ir até ao longe e tocar nele,
e nele ver os seus olhos repetidos,
grandes e húmidos, vorazes e inocentes.
Como seria bom!

Descaem-se-me as pálpebras e, com isso,
(tão simples isso)
não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.

António Gedeão, in Poemas Póstumos (retitado do citador)

05/07/2016

Mariza nas festas da cidade

Festas da Cidade Homenagem à Rainha Santa Isabel, padroeira da cidade
(V centenário da sua beatificação)



A Mariza falou de amor e cantou o amor

Rene Magritte - Love from a Distance  

https://pt.pinterest.com/pin/243546292321383965/

Um dos fados cantados por Mariza

02/07/2016

As Fontes, diálogo


Diálogo, leia-se verso do lado esquerdo, da Sophia, seguido do verso do lado direito. A Sophia que me perdoe.

AS FONTES

Um dia quebrarei todas as pontes                            e    chegarei às águas límpidas
Que ligam o meu ser, vivo e total,                             do amor depurado,
À agitação do mundo do irreal,                                 fresco
E calma subirei até às fontes.                                    tornadas realidade.

Irei até às fontes onde mora                                       a saudade
A plenitude, o límpido esplendor                                encontrarei o amor
Que me foi prometido em cada hora,                          e momento,
E na face incompleta do amor.                                    marcado em cada hora.

Irei beber a luz e o amanhecer,                                   que apanharei
Irei beber a voz dessa promessa                                 que guardarei na memória
Que às vezes como um voo me atravessa,                  e me apunhala
E nela cumprirei todo o meu ser                                natureza íntima.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Poesia I. (Arquivo Casa Fernando Pessoa)


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